É por ele
Quando Regina acordou, sua cama estava molhada e fedendo a mofo. Dormiu um sono tão pesado, que só percebeu a janela aberta quando seu pequeno e velho despertador de corda, que ficava ao lado de sua cama, tocou.
O vento era frio, mas seu coração estava bem mais, o suficiente para ignorar toda aquela situação. Levantou-se, fechou a janela e lembrou-se dele. Precisava ser forte. Era por ele. Tudo para ele.
Assim que tirou os lençóis molhados da cama, despiu-se e foi tomar um banho quente. Sabendo que esse poderia ser o momento mais íntimo e luxuoso do seu dia, demorou um pouco mais.
Não foi preciso escolher a roupa. Vestido rosa, salto alto vermelho e um batom bege nos lábios. Não era o que queria, mas precisava. Era por ele.
Pronta, foi até o quarto do filho e sentou-se ao seu lado. Num colchão improvisado, cheio de lençóis e tapetes sobrepostos, ele dormia como um pequeno cãozinho que acabara de mamar.
Apertando a mãozinha que repousava sobre sua barriga, deu um beijo em sua testa. Devagarinho, Julinho abriu seus pequenos olhos castanhos – pareciam com os da mãe – e, sem dizer uma palavra, levantou os braços e apertou-a contra o peito. Deitou-se novamente e voltou a dormir.
Na sala, a mãe de Regina já estava acordada coando café num velho coador de pano. Despediu-se da velha com um beijo na testa, fez o sinal da cruz e deixou a casa, que cheirava a mofo e café.
Na porta, um carro preto estava com o pisca-alerta ligado. O tempo nublado e a garoa davam um tom sombrio àquela triste manhã. Ao avistar o automóvel, Regina deu um longo suspiro. Lembrou-se dele. Ela por ele. Criou forças e foi.
Jeremias tinha menos de cinquenta anos naquela época, mas seu estilo boêmio de levar a vida fazia com que parecesse ser bem mais velho. O interior do seu carro cheirava a cigarro, mas, naquela hora, o perfume de cravo que Regina usava, amenizava o odor.
– Não vai me dar um beijo?
Muda, a mulher encostou seus lábios na boca de Jeremias.
– Que cheirosa! – Disse apertando o pescoço da mulher.
Regina, ainda sem dizer nada, afastou-se do homem. "É por ele. É por ele", pensava. Seguiram viagem. Por conta da chuva, os vidros estavam entreabertos. Ele acendeu mais um cigarro. Regina tossiu. "É por ele. É por ele". Ela continuava muda.
Jeremias entrou com o carro numa garagem subterrânea de um prédio gigante. Nesta hora ela se sentiu distante de casa. Distante de sua realidade. Distante dele. “Mas é por ele”, pensava.
– Eu quero aqui.
– Aqui?! – Respondeu Regina assustada.
– Sim. Aqui! – Respondeu colocando por baixo do vestido da mulher.
Regina estava fria. Suas pernas tremiam. Naquele estacionamento, o homem teve o que quis dela. "É por ele. É por ele", pensava sem parar. Já satisfeito, tirou da carteira cinco notas de cem e jogou-as no colo da mulher.
– Chega. Vai. Vai logo!
Sem olhar para trás, colocou o dinheiro em sua bolsa e deixou o carro. Já do lado de fora, ela corria. Estava desesperada. Ao dobrar a esquina, sentou-se na beira do asfalto e com a água que vinha da enxurrada, lavou o rosto. Levantou seu vestido e lavou suas partes íntimas. Tentou lavar sua alma. Foi em vão.
Para uma mulher que passava, gritou e chorou:
– É por ele! É por ele! – Levantou-se e correu até o ponto de ônibus.
Ao entrar no transporte, sentia todo o seu corpo em chamas, apesar do tempo frio. As pessoas olhavam-na de um jeito diferente, como uma moradora de rua que incomoda os outros pelo simples fato de ser percebida.
No terceiro ponto, em frente ao cemitério, ela desceu do ônibus. De longe, avistou um velho senhor que cuidava do jardim da entrada.
– Chico! Chico!
O velho, coçando sua barba branca e comprida, tirou seu velho boné azul da cabeça e se aproximou da mulher.
– Oi, Dona Regina.
– Chico, eu consegui o dinheiro! Pelo amor de Deus. Acho que agora dá! – Dizia eufórica, tirando o dinheiro da bolsa. – Não dá?
– Dá sim, dona. Dá sim. – Respondeu contando o dinheiro. – Vai ficar bem melhor.
Dando às costas para o senhor, Regina entrou no cemitério. Alternava entre pequenas corridas e passos apressados. O tempo abrira e sol começara a arder. Já em frente a um túmulo com tijolos a vista, ajoelhou-se no chão, tirou a bolsa dos ombros e disse:
– É por você, meu amor. Tudo por você.
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