Hora Certa
Era meia-noite. Ela estava perdida em plena Avenida Anhanguera. Sozinha. A bateria do seu celular estava acabando. Não se importava. Na verdade, sabia apenas de uma coisa: aquela era a hora. Veio assim, do nada, o desejo de acabar com tudo. Tirou o celular do bolso. Vinte por cento de bateria. Ligou para ele.
― Edu.
― Clarice?
― Onde você tá?
― Tô em casa. O que foi?
― Eu tô perdida, Edu.
― Como assim? Onde você tá?
― Tô na rua.
― Quem tá aí com você?
― Eu.
― Como assim? Você tá sozinha na rua uma hora dessas?
― Minha bateria tá acabando.
― Pelo amor de deus. Onde você tá?
― Na Anhanguera.
― Você tá bem?
― A gente precisa conversar.
― Pelo amor de deus! Vai pra casa.
― Eu quero conversar. Tudo bem?
― Tudo bem, mas vai pra casa, ok? Não fica na rua. Você viu que horas são?
― Não importa.
― É claro que importa! Você está em plena Avenida Anhanguera, uma hora dessas. Tá tudo bem?
― Tá. Tá tudo bem. (silêncio)
― Clarice?
― Oi.
― Volta pra casa.
― Edu, na verdade não tô bem.
― Eu vou aí. Pelo amor de deus. Fica num lugar seguro. Chama um Uber.
― Não.
― Eu vou aí, mas…
― Não. Não precisa vir.– Você não pode estar bem. Como assim?– Minha bateria tá pra acabar.
― Clari…
― Edu. Eu não quero mais.
― O quê?
― Eu não quero mais nada.
― Nada? Como assim? Nada com o quê? Eu tô indo aí. Qual lugar da avenida você tá?
― Tô bem.
― Você não tá bem. Me fala onde você…
― Não. Não precisa, ok? Eu só tô ligando porque a única certeza que tenho nesse momento é que não quero mais nada.
― Não quer mais nada em relação a quê?
― Em relação a gente. Não quero mais nada, ok?
― Me manda sua localização.
― Não dá.
― Não dá o quê? Manda a localização!
― Eu tô sem internet.
― Pelo amor de deus! Para!
― Isso. Eu tô parando. Parei. Parei a gente.
― Clarice.
― Edu.
― Clarice… (silêncio)
― Eu tô preocupado. Me diz onde você tá.
― Eu tô… Eu tô onde você nunca vai estar, entende?
― Como assim?
― Eu preciso estar onde você não está.
― Como ass... Para com isso. Onde você tá?
― Eu tô bem.
― Você só pode estar louca.
― Isso. Tô em plena loucura.
― Onde você tá? Não vou perguntar de novo!
― Eu tô bem longe de você.
― Como assim?
― Eu não quero mais você!
― Pelo telefone? É isso? Uma hora dessas?
― Nada tem hora, Edu. A gente não teve hora pra começar. Não precisa de hora pra terminar.
― Terminar tudo assim? Do nada? Pelo telefone?
― Do nada? A única certeza que tenho no momento é que tudo o que eu quero não tem nada a ver com você.
― Chega. Eu já tô indo aí.
― Não adianta vir aqui. Você não vai me encontrar.
― Eu vou procurar em toda a avenida.
― Você nunca soube onde eu estou. Não vai ser agora.
― O quê?
― É. Você nunca soube onde eu sempre estive. Você nunca soube de onde eu vim e nem pra onde eu quero ir.
― Como assim?
― Por que a surpresa, Eduardo? Você nunca quis saber onde eu me encontro.
― Você se drogou. (silêncio)
― É isso. Eu me droguei. Agora tô me livrando dessa droga. Tô me livrando de você. Chega.
― Clarice, eu tô com a cabeça cheia de coisa... Tudo o que eu não preciso agora é de drama vindo de você.
― E tudo o que eu não preciso agora é de você, Eduardo.
Clarice desligou o celular. Ao atravessar avenida, parou para conferir quanto de bateria ainda restava. A bateria acabou. O eixo passou. Clarice não viu. Morreu.
Eduardo desligou o celular. Da sala, voltou para o quarto, beijou a esposa e se deitou.
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