Confissão
“Volta aqui, menino! Cadê seu pai?”, gritou aquela mulher que mais parecia a malvada diretora do filme Matilda. Eu deveria ter uns dez anos. Fiquei com tanto medo que nunca contei essa história para ninguém. Agora eu venho aqui confessar.
Meu pai sempre foi vendedor. Houve uma época em que ele representava uma indústria de remédios e precisava visitar farmácias da cidade inteira. Muitas vezes, principalmente nas férias eu o acompanhava.
Numa dessas viagens pela cidade, paramos em uma pequena farmácia de um bairro bem afastado. Lembro-me que a rua ainda era de terra. Enquanto ele fazia seu trabalho, decidi sair do lado dele e ficar na porta.
Ao lado dessa farmácia, tinha uma mercearia, ou melhor, um daqueles “pegue-e-pagues da vida”. A calçada estava cercada e eu, curioso, me aproximei. Encontrei ali um buraco recém tampado com cimento fresco.
“Opa! Que tal escrever alguma coisa?”, pensou aquele pequeno garoto pronto para cometer uma arte. Olhei para os lados, me aproximei do reboco e disfarçadamente, com as mãos para trás e olhos no chão, levantei meu pé direito e comecei a desenhar uma letra S. A vida de artista mirim foi abruptamente interrompida por um grito. Eis que chegava a tal vilã do filme Matilda.
Se tem uma coisa que até hoje eu não sei lidar muito bem é quando alguém me chama a atenção. Principalmente se for em público. Nessas horas eu desejo enfiar a cabeça no chão. Como não existia essa possibilidade, corri para dentro do carro e fiquei ali. Quietinho até meu pai voltar.
Quando ele chegou, não disse nada. Via a imagem da mulher na porta da mercearia olhando para mim. O carro se afastou. A vilã se afastou. E eu tratei de me afastar daquele "crime" que hoje, anos depois, venho aqui confessá-lo.
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