De outro planeta

Certa vez me encontrei com um senhor num planeta não muito distante deste que aqui estamos. Conversa vai, conversa vem, ele disparou a dizer coisas absurdas, que só acreditei quando fiz uma longa pesquisa. Trago aqui nesta crônica alguns dos fatos relatados por ele.

Antigamente, se um homem quisesse se casar com outro homem e adotar uma criança, diziam que era pecado. Se duas mulheres quisessem a mesma coisa, também era pecado.

E uma travesti? Naquela época, trabalhar com carteira assinada era improvável, muitos temiam que crianças fossem influenciadas e evitavam conviver com elas e aceitá-las. Por isso, na maioria das vezes acabavam encontrando espaço nas ruas e na prostituição, sem falar que eram assassinadas diariamente.

Se um homem trans quisesse ter o direito de ser reconhecido pelo seu nome, não conseguia. E se uma mulher decidisse fazer o que que quisesse com seu corpo, o estado logo interferia na sua escolha.

Um homem que gostasse de assistir a filmes de romance, seus amigos o chamavam de viado (procurei, mas até agora não consegui encontrar a relação entre orientação sexual e preferências cinematográficas, assim que souber publico aqui).

Já nas escolas, um estudante não aprendia a respeitar as diferentes orientações sexuais e questões de gênero, porque era considerado uma ideologia, e isso era pecado.

Um homem que praticasse alguma religião de matriz africana, muitas vezes tinha seu terreiro destruído, porque isso era demoníaco e, claro, era pecado.

Muitas famílias negras, pasmem, não possuíam nenhum diploma de graduação, mas uma elite branca e dominante insistia em afirmar que não existia racismo.

Agora, o que eu não consegui entender foi que um deputado, em nome de Deus, homenageou um militar comprovadamente torturador, reclamou que um regime ditatorial deveria ter matado mais, ameaçou metralhar opositores políticos, aprovava o uso de armas por civis, acredite, foi eleito presidente de um país e, acredite mais ainda, religiosos o defendiam cegamente.

Enquanto isso, uma floresta tropical riquíssima em biodiversidade era destruída a níveis recordes e milhares de pessoas morriam de uma gripe misteriosa e este mesmo presidente promovia aglomerações, fazia propaganda de um medicamento que não tinha sua eficácia comprovada, arriscando a vida de milhares de pessoas, e sequer se solidarizava com as famílias que perdiam seus entes queridos.

Eu não sei qual foi a solução que encontraram para tantas incoerências. Me assusta o fato de saber que elas existiam e muitos que se consideravam “pessoas de bem”, termo muito usado na época, aprovavam tudo isso.

Ainda bem que não vivi isso. Coisa de outro planeta.