Falatório III - O pedido de Carla

Numa sala à meia-luz, Carla chega a passos firmes e apressados com sua bolsa no ombro. Ajoelha-se e enche um copo com whisky que está na mesa de centro.


CARLA
(chorando) Idiotas! Ridículas! Como eu sou burra! Eu não mereço isso. Meu deus! Como sou burra!
Carla dá um gole. Bate o copo na mesa. Ela tira a bolsa do ombro e busca seu celular. Com dificuldades para encontrar o telefone, começa a se desesperar.
CARLA
Cadê essa merda?
Carla solta a bolsa no chão, pega o copo e toma o whisky em um só gole. Ao voltar a cabeça para frente, com o copo vazio, Carla tira o telefone do bolso de trás. Em seguida, o deixa na mesa e se serve mais uma vez.
Carla se senta e inicia várias tentativas de mandar um áudio.
CARLA
Oi. É... Eu não queria mandar esse áudio, mas...
Ela cancela e tenta enviar novamente.
CARLA
Olha aqui! Eu tô morrendo, sabia?!
Novamente, Carla cancela a gravação e começa outro.
CARLA
Oi. É... Eu não sei como falar sobre isso, mas eu tô morrendo...
Cancela mais uma vez e fala sozinha.
CARLA
Cacete! Eu não consigo gravar essa porra! Vamos lá, Carla! Vamos lá!
Carla tenta mais uma vez, sem sucesso.
CARLA
Cacete! Eu não consigo gravar essa porra! Vamos lá, Carla! Vamos lá!
CARLA
Oi... Desculpa mandar esse áudio assim, meio do nada. Ainda mais depois de tudo que aconteceu. É o seguinte. Eu tô com uns problemas aí, sabe... (chorando)
Ela cancela. Deixa o celular na mesa e começa um diálogo consigo mesma.
CARLA
Por que é que você tá fazendo isso, Carla? (bebendo)
Carla pega novamente o celular e inicia a gravação do áudio.
CARLA
Oi. Tudo bem? Posso pedir um favor pra você? Eu não quero seu beijo, eu não quero sua companhia. Não é nada disso. Até porque você já deixou bem claro que não quer mais nada comigo. (chorando)
Carla envia o primeiro áudio, dá mais um gole e conversa consigo mesma.
CARLA
Vai chorar mesmo, sua bundona? Então chora! (bebendo)
Carla grava outro áudio.
CARLA
Então, eu tô mandando áudio, porque se fosse pessoalmente, sei lá, é que quando eu tô perto de você eu penso tanta coisa, mas não consigo falar, sabe? Ontem eu encontrei as meninas. E, por favor, não nega isso pra mim. Eu encontrei as meninas e... De coração... Se alguém perguntar pra você se você ainda me quer, por favor, diz que sim. Eu sei que a gente não tem mais nada. Eu sei que você não quer. Mas, eu imploro! Diz pra elas que você ainda me ama. Diz que você tá muito mal com o nosso término. Olha, eu não tô pedindo pra você voltar. Eu não tô querendo dizer isso. Hoje eu tenho plena consciência de que você não me quer mais. Eu aceito. Eu não vou fazer mais nada em relação a isso. Mas, por favor, Mari...
Carla envia o segundo áudio e, depois de mais um gole de whisky, enxuga as lágrimas com a manga da blusa e inicia outra gravação.
CARLA
Então, ontem eu peguei a Dani e a Mari falando mal de mim, sabe? Elas não me viram, claro. Mas eu vi. Foi antes de eu chegar. Eu vi e ouvi tudo. Elas disseram que eu não presto. Ficaram falando que sou alcóolatra, drogada, que eu arruinei sua vida... Mas, por favor. Se eu tivesse que te pedir um último desejo, seria esse. Desculpa. Desculpa. Desculpa. Desculpa. Eu só não quero ser humilhada desse jeito mais. Obrigado. De verdade. Eu sei que você vai me entender. Beijo, tá? Não esquece disso, por favor.
Carla deixa o copo e o celular na mesa, levanta-se, caminha até a frente do espelho, abaixa sua blusa, toca seu seio esquerdo e afoga-se em lágrimas.

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