Falatório V - Bateu

Fique agora com o último texto da série Falatório. Espero que tenham gostado. No final deixei o vídeo de uma música pra combinar com essa série e que está na playlist São Paulo.


Por trás da porta da sala, Andrea espia os outros dois rommates, Paulo e Nina, que estão na sala de jantar, dividindo uma barca de sushi.

PAULO
A gente nem sempre escolhe o que quer. As coisas simplesmente acontecem... Nossa, hoje eu tô falando muita merda. Tô falando muita merda, né? Mas é que quando eu fico nervoso eu não sei o que falar e acabo falando uma coisa atrás da outra e no fim das contas pode ser que nada faça muito sentido.

Nina, sem demonstrar interesse, mergulha o temaki no potinho com shoyu.

PAULO
Na verdade, nessa altura do campeonato nada mais tá fazendo sentido. Mesmo se eu quisesse. (silêncio) Não. Nada faria sentido... (longo respiro)

Chupando os dedos após devorar o temaki, Nina limpa as mãos num guardanapo, rasga o saquinho de hashi e os encaixa entre os dedos.

PAULO
Eu já falei muito, né? Ou não? Falei. Falei... Eu sempre falo muito. Acontece é que eu ainda não falei o que eu queria ter falado. Ixi. Agora você sabe que eu queria falar alguma coisa.
Silêncio. Com a boca cheia, Nina para de mastigar e encara Paulo.

PAULO
Calma! Calma! Não é nada demais. Relaxa... Eu vou criando todo esse clima, mas você vai ver que nem é grande coisa. Na verdade, pra mim é, mas talvez pra você não seja.

Nina volta a comer.

PAULO
Sei lá. Tudo bem. Eu não posso saber o que você vai achar de tudo isso que vou falar.

Nina, novamente, com a boca cheia, pausa e mastigação e encara o amigo.

PAULO
Espera. Calma. Nem é TU-DO isso. É, simplesmente isso. Isso. Eu não sei o que você vai pensar disso que eu vou falar. É que... Lembra daquele dia que encontrei você no bar? Não, não da última vez. Foi naquele outro bar com umas luzinhas penduradas do lado de fora...
NINA
Bar da Laranjeira? (com a boca cheia)
PAULO
Isso. Pois é. Aquele dia eu não queria que você me visse. Mas você viu.
NINA
O quê?! (surpresa)
PAULO
Calma! Não! Não! É claro que eu queria ver você. É que eu não queria que você olhasse pra mim bem na hora que eu estava olhando pra você. Acho que você percebeu. Você percebeu? Ai, meu deus. Que vergonha. (cobrindo o rosto com as duas mãos) É. Eu estava olhando mesmo pra você. E aí você veio na minha direção. Eu queria ter dito naquela hora, mas segurei. Aí vou falar hoje. Vou falar hoje o que eu deveria ter falado aquele dia.
Nina mastigando vagarosamente, repousa os hashis no prato, encara o amigo e engole.

PAULO
Eu... Eu... Sei lá, eu acho que...

De repente, um vento bate violentamente a porta. Andrea dá um pulo. O coração de Paulo bate violentamente. Nina dá um pulo.

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