À Procura (final)

 III O DIA

Até hoje não encontrei um adjetivo que descreva o meu sentimento naquele dia.

Não sei como tive forças para levantar-me daquela imundice. Corri para ruas mais distantes com medo de ser vista naquele estado. Dona Edith, uma prostituta conhecida na cidade, foi quem me viu. Não me perguntou nada. Pegou em minha mão, levou-me para sua casa. Lá tomei banho, me recompus. Ela me ofereceu um chá, mas disse que não precisava. Agradeci e caminhei de volta para casa.

Durante todo o caminho tentei segurar o choro. Pensava em meus pais. Pensava naquele homem. Pensava no quanto fui idiota em aceitar andar na moto de um desconhecido. Agradecia a Deus por meu pai não estar em casa nesse dia. Minha mão não desconfiaria de nada. Estava ocupada com Beto.

Todas as lágrimas que guardei no caminho foram despejadas em meu travesseiro. Esse foi o dia. O pior dia da minha vida até o desaparecimento do meu Carlinhos.

IV O ESPELHO

Passaram-se dias, semanas. Ninguém em casa percebia minha tristeza. Eu também não fiz questão de demonstrar. Meu Deus! Se desconfiassem de algo! Estaria perdida. Quem acreditaria em mim?

Sempre gostei de ficar na frente do espelho. Não tinha muitas amigas, eu era minha melhor. Minhas colegas da escola desistiram de tentar fazer amizade comigo, afinal, meu pai nunca me deixava sair com elas. Achavam que eu fazia desfeita. Com o tempo parei de procurar por novas amizades.

Era uma quarta-feira. Não estava me sentindo bem, por isso voltei mais cedo da escola. Assim que melhorei, resolvi experimentar umas roupas que ganhamos de uma prima minha, que era mais velha do que eu.

Quando tirei o uniforme percebi um volume diferente em minha barriga.

V RUA

― Que vergonha! Que vergonha! Você desonrou nossa família! E você, Helena, você não soube segurar sua filha. – Meu pai virou-se para minha mãe e deu um tapa em sua cara. – Eu tenho duas vagabundas dentro da minha casa. Duas! Por Deus! O que eu fiz pra merecer isso? Mas agora eu vou ter só uma, porque você, Ana... Você pode sumir daqui! – Disse ele se aproximando de mim.
― Mas, pai! Não foi culpa minha... Um homem veio até...
― Não se atreva a entrar em detalhes! Vai embora! E nunca mais volte aqui, sua vagabunda!

Minha mãe estava arrasada. Não sabia se chorava por mim ou pela violência do meu pai. Eu não entendia nada. Caminhei em direção ao meu quarto. Iria pegar minhas coisas.

― Nada disso! – Disse meu pai me impedindo de passar. – Vai embora sem nada! Que Deus perdoe seus pais por ter criado você! Rua!

Senti-me a pior das pessoas. Segurei minhas lágrimas. Dei às costas para minha família. Saí. Senti o vento do outono levantar meus cabelos. Desejei ser carregada por ele. Desejei ser uma pena.

VI CONVITE

Fazia sete meses que eu estava no convento. Minha barriga estava bem grande. As freiras pediam para que eu ficasse sempre quieta. Um dia minha mãe veio. Ela sempre ia, mas escondida. Meu pai não a deixava me visitar.

― Filha, seu pai...
― O que tem ele?
― Ele quer te ver! Quer te perdoar! – Disse ela com os olhos brilhando, prontos para derramar algumas lágrimas.
― Você... Você está falando sério?
― Sim! Pediu para que eu viesse te buscar!

Senti-me abraçada por Deus. Acreditei que esse tempo com as freiras ajudaram minha fé se fortalecer. Na saída, todas elas me abraçaram e prometeram uma visita assim que eu desse à luz.

VII DE VOLTA

Minha mãe estava radiante. Feliz por ver sua família junta novamente. Eu estava nervosa, mas não deixava de sorrir. Seria difícil, mas com o perdão de meu pai eu estaria em paz.

Mamãe abriu a porta. Assim que vi meu pai, ajoelhei-me aos seus pés. Era momento de agradecê-lo e perdoá-lo.

― Levanta daí, sua puta! - Gritou papai. Seus olhos pareciam saltar do rosto.
Antes que eu tentasse me levantar, senti algo estranho eu meu corpo. Coloquei as mãos na minha barriga e quando vi, estava coberta de sangue. Um tiro.

A última coisa que ouvi antes de fechar olhos foram os gritos de minha mãe.

Lentamente, fui abrindo os meus olhos. Percebi que estava em um quarto de hospital. Escutei um médico falando com uma enfermeira.

― Era um rapazinho. Já estava até grande...
― Pobrezinha...

Meu Carlinhos. Meu menino… Fechei novamente os olhos. Desejei com todas as minhas forças estar morta.

Hoje passo a maior parte do tempo na rua procurando Carlinhos...

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