À procura (parte 1/2)

 I HOJE

... Hoje passo a maior parte do tempo na rua procurando Carlinhos. Nunca vou deixar de procurar meu filho. Nunca. Já faz cinco anos que nos perdemos um do outro. Vou encontrá-lo. Não sou louca. Não sou louca.
Esses dias fui a uma associação de pais de crianças desaparecidas. Era minha esperança. Sempre senti que Carlinhos estava mais perto do que eu imaginava. Assim que entrei, um homem me abordou.
― Ei! Vá pedir esmola na rua!
― Calma, senhor! Eu sou Ana. Meu filho desapareceu há alguns meses. Ele era lindo. Eu estou procurando por ele há seis meses.
― E você tem alguma foto?
― Não. Ele era pequeno e...
― Desculpa, senhora. Assim não posso ajudar. Pode se retirar, por favor?
Nunca vou deixar de procurar meu filho. Nunca. Que Deus proteja meu pequeno desse frio.

II MOÇA BONITA

Meus pais sempre souberam que nunca gostei do estilo de vida que levávamos. Sempre me obrigavam a ir à missa, participar de encontros religiosos, nada de sair depois das 18h e, sempre que isso acontecesse, meu irmão mais novo, Beto, deveria ir comigo.

Era 23 de maio de 1985. Papai havia viajado para visitar seus irmãos no interior. Beto estava doente e mamãe se dedicava totalmente a ele. Aproveitando a ausência do meu pai, deixei o rádio no volume mais alto, esperei, esperei e quando, finalmente, tocou minha música, mamãe foi até a sala e tirou o rádio da tomada.

― Você se esqueceu de limpar o quarto do seu irmão.
― Mãe, ele está doente. Eu não quis incomodar.
― Trate de limpar! Não me venha com desculpa! Não vê que estou por conta dele? Quer que eu faxine a casa também? Quer me ver louca?!

Nunca entendi esse nervosismo repentino que minha mãe tinha. Isso acabava comigo, mas não reclamava. A única vez em que ousei respondê-la, fiquei uma semana de cama de tanto apanhar. Ela chorava de arrependimento pelos cantos da casa, mas jamais me pediu perdão.

Fui até o quarto de Beto. Ignorei sua presença. Limpei como se não houvesse ninguém. Ele também pareceu fazer questão de me ignorar. Assim que terminei, fui até o portão que dava para a rua despejar a água do balde. Era a minha chance de colocar os pés, nem que fosse por um minuto, na rua.

Um rapaz de moto parou ao meu lado.

― Oi, moça bonita, sabe como chego até o mercado municipal? - Eu fiquei um pouco assustada com o jeito no qual ele me abordou. Ele era perfeito. Olhos azuis, cabelos loiros com alguns fios brancos.
― Qual deles você precisa visitar?
― É… O mais próximo… - Ele respondeu sem certeza alguma.
― Você desce mais cinco quarteirões, vira à esquerda e… - Me perdi. Não lembrava quantos mais precisava descer. Ele percebeu que não sabia ajudar e teve uma ideia.
― Será que você não pode ir comigo? - Meu Deus! Eu andando numa moto com um desconhecido? Jamais! Meu pai me mataria.
― É… preciso ver com a minha mãe.
― Vai ser rápido. Preciso comprar apenas um leite para meu filho. Sou novo na cidade e não conheço nada. - Filho? Menos mal. O que um rapaz casado, com filhos poderia fazer comigo? O jeito como olhou para mim me passou segurança. Não hesitei. Subi na moto.

(continua semana que vem)

Comentários