Pulando de canal

Para Roberto, aquele dia parecia não ter fim. Sentou-se no sofá, ligou a televisão e pulou de canal em canal.

MELHOR SUBIR
“Terceiro dia sem trabalhar. Não saio de casa. Estou sozinho. Da noite para o dia eu simplesmente desisti de cumprir minhas obrigações. Quem se preocupou foi meu irmão. Quem é ele? Quem é ele para me dizer o que eu devo fazer? Não vou fazer nada. Tenho só uma preocupação. Saltando do quarto andar pode ser que eu sobreviva. Melhor subir”.
JANELA
“Joguei pela janela aquele vestido que você me deu. Era nosso aniversário de cinco anos de namoro. Consegue ver o rasgado no decote, Fábio? Lembra? Foi você quem rasgou. Lembrou, Fábio? Naquele dia você me estuprou. Escuta. É forte, né? Olha, eu não vou guardar mais nada comigo”.
ÚLTIMO PEDIDO
“O restaurante era o mais chique que já tinha visitado. Silêncio perfeito pr’aquela escandalosa fazer uma entrada triunfal, como sempre. Chegou brigando com o garçom. Disse que esperou muito para um ‘restaurantezinho’. Nessas palavras, acredita? Ousada. Sentou-se sozinha já fazendo o pedido: Cabernet, azeitonas pretas de entrada e Parmeggiana. O engasgo foi lindo. Vi bem de perto cair dura e de cara em cima do prato”.
CLIMÃO PERFEITO
“Não acreditei. Achei que era piada. Cinco anos sem saber onde aquela filha da puta estava e agora… Que ironia! Encontrei a doida no lugar que mais odiava. Fumava sem ver. Usava um batom cor de vinho. Dançava sozinha aquela música latina. Esqueci o nome. Resumindo: ninguém ligava para o jeito oferecido dela. Bebeu, gritou e até babou. Esfregou o braço na boca deixando o batom borrar no rosto. Quando se cansou, chamou o garçom. Perdeu a carteira. Aí sim. Agora todo mundo começou a reparar nela. Eu, que não sou mais bobo, fui embora com a carteira dela, claro”.
BANHO REVIGORANTE
“Nada como um banho revigorante para me tirar daqueles dias sombrios. Cinco de dezembro, sol e chuva de verão. Só que dessa vez eu não ligava. Molhava minha roupa, minha mochila, meus tênis e eu continuava sorrindo pra dentro, pra fora e pra quem quisesse ver. Um carro passou correndo e me deu um banho. Sorri para as milhões de bactérias, para os motoristas. Tá tudo bem. Foi um banho revigorante".

Sentindo-se ainda mais entediado, Roberto desligou a televisão, caminhou até seu quarto e afogou-se em sua cama.

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