Tapete persa

É ela. É ela! Eu sei o que está acontecendo, por isso preciso ser rápido. Sei também que de nada adianta essa pressa. Preciso ser paciente em meio a esse furacão.

Estou bem ciente do que estou vivendo. Infelizmente. Meu corpo insiste, mas é ele quem dá as ordens. Minha alma apenas obedece. O que eu posso fazer?

Sempre levei a vida na brincadeira. Aceito tudo como se fosse uma aventura. Indeciso, sempre prefiro me arrepender olhando para as cicatrizes do que chorar pelo leite derramado, pelo copo quebrado...

Copo. Procuro por um copo, mas me lembro que o último foi quebrado pelo mesmo motivo que me faria quebrar outro agora. Foi há duas semanas. Semanas. Ainda tenho certa noção de tempo.

Me levanto mais rápido do que os batimentos por minuto do meu coração. Tudo está acelerado, mas só de saber que o normal se aproxima, eu me desespero. Normal pra quem?

Busco uma cueca em meio a um emaranhado de roupas jogadas em cima da cama, assim como meus pensamentos estão. Encontro uma. Acredito ser a mais limpa. Cambaleando, consigo vestir apenas de um lado. Não sinto a outra perna. Ah... Não vai ser agora. Eu vou conseguir colocar a merda da cueca.

Uau! Parece que foi ontem que Liane chegou com este tapete pra decorar o quarto logo depois do casamento. Agora estou aqui, respirando cada ácaro presente nele. Tête-à-tête avec le tapis. Merde! Eu posso ter estragado tudo, mas o tapete continua conservado.

É ela. É ela! Estou escutando!

Não, eu não quero repetir, por isso eu preciso me levantar. A cada segundo eu sinto que estou me transformando neste tapete. O tapete persa que Liane trouxe está mais conservado do que eu. Que ironia.

Arrasto-me em direção ao banheiro. Estão batendo. Estão batendo na merda da porta. Eu preciso sair daqui. Eu preciso sair daqui! Por que estão fazendo isso comigo? Ou, por que eu estou fazendo isso comigo? Não, eu não vou cair nessa. A verdade é que eu já caí. Estou caído no tapete. Merda!

Encosto minha orelha no chão. Passos. São os passos dela. Ela vem. De novo. Ela vem vindo. Como pode? Eu a reconheço pelos passos. Eu sei que é ela. Ah, Liane... Conheço você há 15 anos, mas ainda me admiro com a sua delicadeza. Que vergonha! Que humilhação eu faço você passar. Mas é sempre você, sempre o seu abraço que me conforta quando estou assim. Você não tem medo de mim. Você sempre volta pra mim. Meu amor. Meu amor...

Ela chega, e, como sempre, seus braços delicados me envolvem. Ela me arrasta e apoia minhas costas aos pés da cama. Ah, Liane... Sempre você...

— Vem! – ela gritou.

Pensei que meu coração iria começar a se acalmar, mas não dessa vez. O “vem” de Liane chegou como uma adaga e perfurou meu peito e fez meus olhos sangrarem de decepção. É isso mesmo? Hoje não vou ter o seu abraço?

Ele chegou. Ele me abraçou. Ele me envolveu em um lençol. Um lençol apertado. É esse o abraço que vou ganhar hoje? Ele me levanta. Me afasto de Liane, que está agora aos prantos, agachada aos pés da cama, em cima do tapete persa, o antigo tapete que está mais conservado do que eu.

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