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Mostrando postagens de junho, 2020

A Pessoa Mais Insuportável Que Eu Já Conheci Na Minha Vida

Eu odeio o vento daquele lugar. Ele sabe disso. E eu tenho certeza de que esse foi o motivo de ele ter marcado esse encontro lá. Eu já iria começar a discussão perdendo, afinal, eu não ficaria confortável com o vento. Xeque-mate. Mas eu iria dar a volta por cima. Decidi que isso não iria me abalar. Parece pouco, mas realmente odeio o vento que faz no alto do Convento da Penha. De verdade. Poxa, tantos lugares nessa cidade para marcar uma conversa. Respirei fundo ao ler a mensagem. Respondi apenas com um OK. Ele odiava respostas curtas. Nos últimos dias era assim. Um provocava o outro sem parar. Não é por nada não, mas eu estava bom de argumento. Se fosse uma competição, minha vitória seria garantida. Mas não era. Era vida real mesmo. Era um relacionamento em crise. Era uma vez um casal feliz que se conheceu no início da primavera passada. Cheguei. Chegamos. Eu não disse nem oi. Comecei no ataque. ­― Por que aqui? – perguntei. ­― Como assim? ­― Por que marcou essa conversa logo aqui?...

Você tem fronteiras (e os outros também)

Tá bom. Já aceitei que viver a vida adulta não é uma tarefa fácil. Pagar contas, lidar com gente chata (inclusive eu mesmo), brigar pelos meus direitos, fazer meus deveres (mesmo que eu odeie) e por aí vai. Depois de aceitar que estas coisas fazem parte da minha rotina (e dificilmente vão sair), encontrei um novo problema: “eu consigo lidar com os problemas alheios?”   Cada um tem um mundo inteiro dentro de si. É como no poema Defesa, de Bilac: “Cada alma é um mundo à parte em cada peito...”. Pois é. E aí? COMÉQUEFAZ para entender o outro? Como atravessar essa fronteira que existe entre o Samirzinho aqui e o fulano? Por exemplo, eu fazia o seguinte:   Samir: Vamos sair? Amigo do Samir: Hoje não posso. Samir: Ah, tudo bem!   Depois de desligar, eu pensava: “Saco! Ninguém quer sair comigo! Que vida! Ninguém gosta de mim!”. E foi assim que percebi esse negócio de não entender o mundo que existe dentro de cada um. Você não entra na vida das pessoas sem pedir permissão. É a me...

Um encontro seguro com o meu eu inseguro

Estou tentando entender até agora o que aconteceu comigo. Parece piada, mas não é. Na verdade, o assunto é sério. É difícil acreditar no que eu me tornei em relação ao que eu era há 10 anos. Não. Eu não sinto vontade de voltar ao passado – e eu tenho muitos motivos para fazer essa escolha. Acontece que há alguns dias, recebi um convite para ficar frente a frente ao meu eu de 14 anos de idade. À primeira vista, ele me olhou com um ar de julgamento. A pessoa que intermediava esse encontro perguntou se eu não queria dizer algo. ― Vá se foder! – eu disse revoltado para aquele jovem de 14 anos. Me senti bem fazendo isso até a pessoa me perguntar o porquê de toda aquela agressividade. ― Ah! Olha só pra ele! Me julgando... Ele mal sabe que hoje eu estou muito mais feliz! Esse aí não sabe fazer escolhas. Ele não sabe se expressar. Ele não sabe nem conversar... É um medroso! Não faz sentido esse olhar de julgamento em relação a mim! ― Samir, já parou pra pensar que no mundo em que ele vive, as...

Confissão

“Volta aqui, menino! Cadê seu pai?”, gritou aquela mulher que mais parecia a malvada diretora do filme Matilda. Eu deveria ter uns dez anos. Fiquei com tanto medo que nunca contei essa história para ninguém. Agora eu venho aqui confessar.   Meu pai sempre foi vendedor. Houve uma época em que ele representava uma indústria de remédios e precisava visitar farmácias da cidade inteira. Muitas vezes, principalmente nas férias eu o acompanhava.   Numa dessas viagens pela cidade, paramos em uma pequena farmácia de um bairro bem afastado. Lembro-me que a rua ainda era de terra. Enquanto ele fazia seu trabalho, decidi sair do lado dele e ficar na porta.   Ao lado dessa farmácia, tinha uma mercearia, ou melhor, um daqueles “pegue-e-pagues da vida”. A calçada estava cercada e eu, curioso, me aproximei. Encontrei ali um buraco recém tampado com cimento fresco.   “Opa! Que tal escrever alguma coisa?”, pensou aquele pequeno garoto pronto para cometer uma arte. Olhei para os lados,...