Postagens

Mostrando postagens de setembro, 2020

À Procura (final)

  III O DIA Até hoje não encontrei um adjetivo que descreva o meu sentimento naquele dia. Não sei como tive forças para levantar-me daquela imundice. Corri para ruas mais distantes com medo de ser vista naquele estado. Dona Edith, uma prostituta conhecida na cidade, foi quem me viu. Não me perguntou nada. Pegou em minha mão, levou-me para sua casa. Lá tomei banho, me recompus. Ela me ofereceu um chá, mas disse que não precisava. Agradeci e caminhei de volta para casa. Durante todo o caminho tentei segurar o choro. Pensava em meus pais. Pensava naquele homem. Pensava no quanto fui idiota em aceitar andar na moto de um desconhecido. Agradecia a Deus por meu pai não estar em casa nesse dia. Minha mão não desconfiaria de nada. Estava ocupada com Beto. Todas as lágrimas que guardei no caminho foram despejadas em meu travesseiro. Esse foi o dia. O pior dia da minha vida até o desaparecimento do meu Carlinhos. IV O ESPELHO Passaram-se dias, semanas. Ninguém em casa percebia minha tristeza...

À procura (parte 1/2)

  I HOJE ... Hoje passo a maior parte do tempo na rua procurando Carlinhos. Nunca vou deixar de procurar meu filho. Nunca. Já faz cinco anos que nos perdemos um do outro. Vou encontrá-lo. Não sou louca. Não sou louca. Esses dias fui a uma associação de pais de crianças desaparecidas. Era minha esperança. Sempre senti que Carlinhos estava mais perto do que eu imaginava. Assim que entrei, um homem me abordou. ― Ei! Vá pedir esmola na rua! ― Calma, senhor! Eu sou Ana. Meu filho desapareceu há alguns meses. Ele era lindo. Eu estou procurando por ele há seis meses. ― E você tem alguma foto? ― Não. Ele era pequeno e... ― Desculpa, senhora. Assim não posso ajudar. Pode se retirar, por favor? Nunca vou deixar de procurar meu filho. Nunca. Que Deus proteja meu pequeno desse frio. II MOÇA BONITA Meus pais sempre souberam que nunca gostei do estilo de vida que levávamos. Sempre me obrigavam a ir à missa, participar de encontros religiosos, nada de sair depois das 18h e, sempre que isso ac...

Mão esquerda na água da fonte

Ele está o tempo todo preocupado e tentando ajustar as coisas, marcando e desmarcando compromissos, anotando tudo em pequenos papeizinhos coloridos e torcendo sempre para que eles não se percam em meio a seus rascunhos. Sim, mesmo sendo organizado, ele faz muita bagunça. Além de querer manter sempre um controle imenso sobre sua vida, ele tem uma certa mania de limpeza. Na mochila, carrega um sabonete especial para mãos secas, uma toalha branca e uma bisnaguinha com álcool gel. Dia desses ele acordou mais cedo que o normal. Como estava adiantado, decidiu caminhar no parque próximo à sua casa. Fazia tempo que não praticava atividades físicas. Decidiu não levar a mochila. Queria arriscar andar um pouco sem ela. Como ainda era muito cedo, o parque ainda não estava muito cheio, foi por isso que durante a caminhada, ele se assustou quando um transeunte, aparentemente morador de rua, passou por ele, segurou sua mão esquerda, balbuciou qualquer coisa e partiu. O enjoo veio instantaneamente ...

Pulando de canal

Para Roberto, aquele dia parecia não ter fim. Sentou-se no sofá, ligou a televisão e pulou de canal em canal. MELHOR SUBIR “Terceiro dia sem trabalhar. Não saio de casa. Estou sozinho. Da noite para o dia eu simplesmente desisti de cumprir minhas obrigações. Quem se preocupou foi meu irmão. Quem é ele? Quem é ele para me dizer o que eu devo fazer? Não vou fazer nada. Tenho só uma preocupação. Saltando do quarto andar pode ser que eu sobreviva. Melhor subir”. JANELA “Joguei pela janela aquele vestido que você me deu. Era nosso aniversário de cinco anos de namoro. Consegue ver o rasgado no decote, Fábio? Lembra? Foi você quem rasgou. Lembrou, Fábio? Naquele dia você me estuprou. Escuta. É forte, né? Olha, eu não vou guardar mais nada comigo”. ÚLTIMO PEDIDO “O restaurante era o mais chique que já tinha visitado. Silêncio perfeito pr’aquela escandalosa fazer uma entrada triunfal, como sempre. Chegou brigando com o garçom. Disse que esperou muito para um ‘restaurantezinho’. Nessas palavra...